domingo, 5 de julho de 2020

Precisamos parar de desperdiçar o tempo de vida das pessoas

    Acho extraordinário quando, durante o café da manhã, escuto alguém contar os sonhos que teve, as pessoas com quem conversou neles. Ou quando as crianças falam enquanto sonham, como quem que está vivendo aventuras emocionantes!

    Talvez seja inveja por não ter esses sonhos com frequência e, por isso, acho um dos maiores absurdos da vida quando sonho que estou trabalhando. Em uma reunião então, aborrecimento duplo. Mas há exceções. Recentemente, sonhei que participava de uma reunião, quando um colega me puxou para o fundo da sala com mais outros dois que também haviam participado de um treinamento. Ele iniciou uma daquelas reuniões paralelas que irritam qualquer apresentador de powerpoint, dizendo:

    -- “Sabe, estávamos conversando sobre como gostamos de tê-lo em nosso grupo durante aquele treinamento recente, pois você sempre traz perspectivas interessantes para a discussão. Gostaria de saber sua opinião sobre qual ponto de nossa cultura organizacional deveríamos priorizar para melhorar.”
Como eu não sabia que era um sonho e achava que estava trabalhando – e era tão real que eu deveria receber hora-extra pelo sonho – respondi no ato:

    -- “Precisamos parar de desperdiçar o tempo de vida das pessoas.”
    E continuei a expor minha opinião sobre como os líderes e processos exigiam que as pessoas fizessem coisas desnecessárias, para preencher o tempo total da jornada de trabalho. Ou para outros fins, como: dizer que sabem maximizar o uso de recursos, demonstrar que conseguem influenciar outros, manter o status quo até a PLR chegar, ou até mesmo para ficarem mais tempo na empresa por serem infelizes em suas vidas pessoais. 

    Com o tempo, pretendo escrever sobre tudo isso (#medo). Mas antes de acordar daquele sonho, fiz um comentário que me marcou. Disse que lembrava de um professor de matemática que tive, muito bom em prender a atenção dos alunos e em garantir que eles conseguiam mostrar que haviam aprendido a matéria.

    Esse professor sabia que, após mais de 1 hora falando sobre matemática, alguns se perdiam e desistiam da aula – iniciando conversas paralelas. Por outro lado, alguns que já haviam entendido o conceito aproveitavam os exercícios para conversar com os colegas. Ou seja, a segunda hora da aula era uma descontração e um momento de confraternização para todos na aula. 

    Mas com esse professor era diferente, os alunos prestavam atenção o tempo todo e perguntavam tudo o que não entendessem, pois sabiam que a qualquer momento da hora final da aula ele diria:

    -- “Tirem uma folha do caderno, anotem seus nomes e resolvam o exercício que está no quadro. Quem entregar a solução pode ir embora”.

    O que se via a seguir era interessante: os alunos todos em silêncio, tentando resolver o exercício ou pedindo ajuda dos colegas; os que tinham mais facilidade para a matéria entravam em uma competição sobre quem seria o primeiro a resolver o desafio; os conversadores, demonstravam um silêncio vergonhoso porque não tinham coragem de interromper ou prejudicar o colega ao lado.

    Nessa hora eu acordei. Mas fiquei pensando sobre como seria uma empresa em que “quem terminasse a atividade” pudesse fazer o que quisesse, até mesmo ir para casa. Será que as pessoas passariam a eliminar as perdas e evoluir seus processos através de melhoria contínua? Peso que que o fator “relógio de ponto” elimina a única variável que é comum a todos os mortais: o tempo, que é recurso irrecuperável. Normalmente demoramos anos para descobrir que a única coisa que importa é o que você faz com o seu tempo. Se você desperdiçar seu tempo fazendo algo desnecessário, perderá segundos que jamais terá como recuperar. E o tempo desperdiçado faz falta no final, não importa como você o use ou quanto tempo seja.





    Quando comecei a estudar Lean, eu só via redução de custo, fazer mais com menos. Com o tempo, deixei de ver o Lean como uma parte da minha atividade profissional e passei a entendê-lo como uma filosofia de vida, mais do que de gestão. Ao mudar o modelo mental da escala de tamanho/quantidades para escala de tempo (falarei sobre isso outro dia), você passa a enxergar os obstáculos que consomem seu tempo em qualquer ambiente. 

    Você pode gastar horas organizando e preparando um churrasco para agradar e receber as pessoas que gosta, escolhendo o presente para alguém querido, aprendendo a tocar uma música no violão para um dia cantar com seus filhos. E verá isso como um investimento do seu tempo. Mas se incomodará demais quando alguém desperdiçar 5 minutos da sua vida para se exibir, ostentar seus bens materiais, brigar por opiniões políticas ou até mesmo tentar te doutrinar com alguma ideologia ou religião. 
    
    O livro que me “despertou” para isso foi Your Money or Your Life, da Vicky Robin. Leia quando puder, mas considere que foi escrito nos anos 80 quando surgiam as preocupações da sociedade sobre meio-ambiente (o termo sustentabilidade era pouco usado naquela época). Por isso os autores daqueles tempos defendiam receitas de vida com menos consumismo, desperdício e impacto ambiental – alinhado com o Lean, não?

    Anos depois da primeira versão, o livro caiu no gosto dos minimalistas e do movimento FIRE, tido como uma receita para redução de custo de vida. Mas o principal, para mim é que o livro ajuda e ensina como converter bens materiais ou consumíveis supérfluos em fatias de tempo despendidos para se pagar per eles. E aí, novamente, o tempo perdido não volta jamais.
    
    Imagine você ter mais tempo para passar com sua família, ver seus filhos crescerem, se cercar de amigos, ler e aprender sobre o que gosta, ajudar pessoas que necessitam...   de onde você tiraria esse tempo? O Lean responde: aprendendo e melhorando um pouco por dia, para fazer apenas o que importa; planejar antes de executar, para fazer apenas o que importa; refletir sobre as coisas que faz, para enxergar os pontos que consomem seu tempo e pensar em como os evitar.

    Se você fosse seu próprio cliente e viver uma vida plena fosse o objetivo do seu processo, em que você investiria seu recurso mais precioso?



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