segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Conhece a ti mesmo

O brasileiro confunde esperança com planejamento. Não me recordo quando foi que li essa frase pela primeira vez e desconheço seu autor, mas sempre a achei generalizadora e perigosa. Afinal, a aptidão para traçar planos é característica do indivíduo e não da sua nacionalidade.

Mas, durante uma conversa sobre carreira, recebi de meu mentor – que não era brasileiro -- a seguinte pergunta:

-- Como você imagina que será a sua vida daqui 30 anos?

Naquele momento, não sabia ao certo como responder e, antes que dissesse alguma obviedade como "me imagino feliz, realizado” ou “levando uma vida confortável”, ele me salvou:

-- Não é para responder agora. Escreva em um papel como espera que seja, usando o máximo de detalhes que conseguir, e marque uma nova conversa comigo.

Eu saí do encontro achando que aquela tarefa seria uma perda de tempo. Afinal, se não consigo prever com detalhes o que ocorrerá no próximo mês, como descrever a minha vida daqui 30 anos? Resolvi tentar, ao menos para ter assunto para nosso próximo encontro.

Fiz uma carta para meu "eu futuro" descrevendo minha definição de vida bem sucedida. Detalhei as características do local onde gostaria de morar, como estaria presente na vida de familiares e amigos, como usaria meu tempo, como gostaria que estivesse minha saúde, quais fontes de renda teria e como usaria o dinheiro acumulado ao longo da vida, o que me daria condições até mesmo de ajudar a outras pessoas.

No fim, fiquei contente com o resultado, pois além de ser uma visão agradável, minhas aspirações não eram impossíveis. O caminho de vida que eu havia escolhido até então me permitiria transformar aquelas aspirações em realidade, apenas exigiria disciplina e paciência para manter o foco pelos próximos anos – obviamente, apenas nos aspectos que dependessem de mim.

Na conversa seguinte com o meu mentor, ele perguntou se eu havia conseguido escrever o que ele havia pedido, sem entrar no mérito sobre quais eram minhas aspirações. Eu confirmei ter descrito uma visão de futuro para 30 anos, e então ele me fez outra pergunta inesperada:

-- E o que sua esposa achou dessa visão?

Envergonhado, expliquei que havia escrito sem a participação dela. Ele apenas me respondeu que, se ela estava presente naquela visão de futuro, seria importante obter a opinião dela.

Mais uma vez, saí da conversa com uma lição de casa. No fim de semana seguinte, enquanto assistíamos TV em casa, eu abri o arquivo do meu texto e pensei sobre como explicaria para minha esposa a atividade, descreveria minha visão, e perguntaria a opinião dela.

Naquele momento, senti um “frio na espinha”, como muitos dizem. E se ela dissesse que não era o que ela queria ter como futuro???

Realmente, ela poderia ter outras aspirações, como viajar o mundo, ficar mais perto dos pais dela, seguir os filhos para onde eles forem, vender miçanga na praia, ter mais 5 filhos, sei lá....

E foi nesse momento em que a frase inicial desse texto fez sentido para mim. Em anos de namoro, eu jamais havia sequer perguntado detalhes sobre como a mulher com quem me casaria, gostaria de viver seu futuro. Se fosse algo totalmente diferente daquilo que eu esperava, poderíamos ter um problema sério pela frente. Apenas esperávamos ter um bom futuro, sem a certeza de que o “bom” para um significava o mesmo para o outro. E acreditávamos esperançosamente que o futuro seria bom.

Felizmente, depois de ouvir atentamente minha leitura, ela respondeu que havia adorado o cenário desenhado para nós dois e nossa família.

Mas minha reflexão não se limitou ao risco que corri por não ter planos claros antes de me casar. Refleti também sobre como eu jamais havia sido questionado por meus pais ou meus mestres sobre o que eu acreditava ser mais importante para meu futuro, qual era a minha expectativa, ou o que eu considerava como uma vida plena.

O incômodo que senti ao notar a falta de expectativas claras poderia ser apenas uma preocupação burguesa, de quem não é obrigado a ir à luta todas as manhãs pensando em como conseguir a comida do jantar para a família. O fato é que, sem essa visão clara, meus planos eram imprecisos, fracamente definidos e até me induziam a certos exageros, desperdiçando energia e recursos em atividades que não contribuíam para minhas aspirações de vida – e não aumentariam meu nível de satisfação ou felicidade.

Eu me dedicava muito aos desafios de hoje, acreditando que isso me ajudaria a viver melhor amanhã, na esperança de que tudo terminasse bem.

Uma particularidade: eu me senti decepcionado quando entendi que essa reflexão era algo natural para meu mentor pois ele era questionado frequentemente sobre esse assunto em sua cultura, o que reforçou ainda mais minha interpretação da frase inicial deste texto.

Pois bem, uma vez que minha visão de futuro estava criada, eu pude planejar e tomar o controle do meu futuro. E havia um monte de decisões que eu teria que tomar para montar esse plano. As duas primeiras foram minha trilha de carreira (já sabia qual legado queria deixar ao fim dos 30 anos vislumbrados) e a aquisição de um imóvel – meu texto descrevia como seria a casa na qual gostaria de morar no futuro....

Outro tópico que precisei estudar foi meu planejamento de aposentadoria. Estava longe, mas eu precisava tomar algumas decisões imediatamente. E eu pretendo registrar meu aprendizado neste espaço. Como destacado no título deste post, os desdobramentos dessa busca por conhecimento mudaram profundamente minha forma de pensar.

Obrigado,

MML

domingo, 5 de julho de 2020

Precisamos parar de desperdiçar o tempo de vida das pessoas

    Acho extraordinário quando, durante o café da manhã, escuto alguém contar os sonhos que teve, as pessoas com quem conversou neles. Ou quando as crianças falam enquanto sonham, como quem que está vivendo aventuras emocionantes!

    Talvez seja inveja por não ter esses sonhos com frequência e, por isso, acho um dos maiores absurdos da vida quando sonho que estou trabalhando. Em uma reunião então, aborrecimento duplo. Mas há exceções. Recentemente, sonhei que participava de uma reunião, quando um colega me puxou para o fundo da sala com mais outros dois que também haviam participado de um treinamento. Ele iniciou uma daquelas reuniões paralelas que irritam qualquer apresentador de powerpoint, dizendo:

    -- “Sabe, estávamos conversando sobre como gostamos de tê-lo em nosso grupo durante aquele treinamento recente, pois você sempre traz perspectivas interessantes para a discussão. Gostaria de saber sua opinião sobre qual ponto de nossa cultura organizacional deveríamos priorizar para melhorar.”
Como eu não sabia que era um sonho e achava que estava trabalhando – e era tão real que eu deveria receber hora-extra pelo sonho – respondi no ato:

    -- “Precisamos parar de desperdiçar o tempo de vida das pessoas.”
    E continuei a expor minha opinião sobre como os líderes e processos exigiam que as pessoas fizessem coisas desnecessárias, para preencher o tempo total da jornada de trabalho. Ou para outros fins, como: dizer que sabem maximizar o uso de recursos, demonstrar que conseguem influenciar outros, manter o status quo até a PLR chegar, ou até mesmo para ficarem mais tempo na empresa por serem infelizes em suas vidas pessoais. 

    Com o tempo, pretendo escrever sobre tudo isso (#medo). Mas antes de acordar daquele sonho, fiz um comentário que me marcou. Disse que lembrava de um professor de matemática que tive, muito bom em prender a atenção dos alunos e em garantir que eles conseguiam mostrar que haviam aprendido a matéria.

    Esse professor sabia que, após mais de 1 hora falando sobre matemática, alguns se perdiam e desistiam da aula – iniciando conversas paralelas. Por outro lado, alguns que já haviam entendido o conceito aproveitavam os exercícios para conversar com os colegas. Ou seja, a segunda hora da aula era uma descontração e um momento de confraternização para todos na aula. 

    Mas com esse professor era diferente, os alunos prestavam atenção o tempo todo e perguntavam tudo o que não entendessem, pois sabiam que a qualquer momento da hora final da aula ele diria:

    -- “Tirem uma folha do caderno, anotem seus nomes e resolvam o exercício que está no quadro. Quem entregar a solução pode ir embora”.

    O que se via a seguir era interessante: os alunos todos em silêncio, tentando resolver o exercício ou pedindo ajuda dos colegas; os que tinham mais facilidade para a matéria entravam em uma competição sobre quem seria o primeiro a resolver o desafio; os conversadores, demonstravam um silêncio vergonhoso porque não tinham coragem de interromper ou prejudicar o colega ao lado.

    Nessa hora eu acordei. Mas fiquei pensando sobre como seria uma empresa em que “quem terminasse a atividade” pudesse fazer o que quisesse, até mesmo ir para casa. Será que as pessoas passariam a eliminar as perdas e evoluir seus processos através de melhoria contínua? Peso que que o fator “relógio de ponto” elimina a única variável que é comum a todos os mortais: o tempo, que é recurso irrecuperável. Normalmente demoramos anos para descobrir que a única coisa que importa é o que você faz com o seu tempo. Se você desperdiçar seu tempo fazendo algo desnecessário, perderá segundos que jamais terá como recuperar. E o tempo desperdiçado faz falta no final, não importa como você o use ou quanto tempo seja.





    Quando comecei a estudar Lean, eu só via redução de custo, fazer mais com menos. Com o tempo, deixei de ver o Lean como uma parte da minha atividade profissional e passei a entendê-lo como uma filosofia de vida, mais do que de gestão. Ao mudar o modelo mental da escala de tamanho/quantidades para escala de tempo (falarei sobre isso outro dia), você passa a enxergar os obstáculos que consomem seu tempo em qualquer ambiente. 

    Você pode gastar horas organizando e preparando um churrasco para agradar e receber as pessoas que gosta, escolhendo o presente para alguém querido, aprendendo a tocar uma música no violão para um dia cantar com seus filhos. E verá isso como um investimento do seu tempo. Mas se incomodará demais quando alguém desperdiçar 5 minutos da sua vida para se exibir, ostentar seus bens materiais, brigar por opiniões políticas ou até mesmo tentar te doutrinar com alguma ideologia ou religião. 
    
    O livro que me “despertou” para isso foi Your Money or Your Life, da Vicky Robin. Leia quando puder, mas considere que foi escrito nos anos 80 quando surgiam as preocupações da sociedade sobre meio-ambiente (o termo sustentabilidade era pouco usado naquela época). Por isso os autores daqueles tempos defendiam receitas de vida com menos consumismo, desperdício e impacto ambiental – alinhado com o Lean, não?

    Anos depois da primeira versão, o livro caiu no gosto dos minimalistas e do movimento FIRE, tido como uma receita para redução de custo de vida. Mas o principal, para mim é que o livro ajuda e ensina como converter bens materiais ou consumíveis supérfluos em fatias de tempo despendidos para se pagar per eles. E aí, novamente, o tempo perdido não volta jamais.
    
    Imagine você ter mais tempo para passar com sua família, ver seus filhos crescerem, se cercar de amigos, ler e aprender sobre o que gosta, ajudar pessoas que necessitam...   de onde você tiraria esse tempo? O Lean responde: aprendendo e melhorando um pouco por dia, para fazer apenas o que importa; planejar antes de executar, para fazer apenas o que importa; refletir sobre as coisas que faz, para enxergar os pontos que consomem seu tempo e pensar em como os evitar.

    Se você fosse seu próprio cliente e viver uma vida plena fosse o objetivo do seu processo, em que você investiria seu recurso mais precioso?



sábado, 16 de maio de 2020

Limonada

Finalmente resolvi colocar em prática o plano, que vinha postergando há muito tempo, de escrever um pouco sobre tudo o que tenho estudado e aprendido nos últimos anos.

Teria que assumir que há algo errado comigo se, bem em meio a um isolamento social que já dura dois meses, eu não começasse algo novo ou diferente - minha justificativa sempre foi de que não dou continuidade a alguns dos meus projetos pessoais por falta de tempo.

Então resolvi aproveitar as restrições da pandemia de Covid-19 para dar vida a um desses planos. Como dizem: se a vida nos der limões, façamos uma limonada!!!

Não posso reclamar da minha condição nesses dois meses de isolamento - principalemente com tantas pessoas passando por momentos difíceis por aí - mas não haveria momento melhor para tratar do assunto principal desde blog. Os posts futuros deixarão claro o porquê.

Obrigado,

MML