O brasileiro confunde esperança com planejamento. Não me recordo quando foi que li essa frase pela primeira vez e desconheço seu autor, mas sempre a achei generalizadora e perigosa. Afinal, a aptidão para traçar planos é característica do indivíduo e não da sua nacionalidade.
Mas, durante uma conversa sobre carreira, recebi de meu
mentor – que não era brasileiro -- a seguinte pergunta:
-- Como você imagina que será a sua vida daqui 30 anos?
Naquele momento, não sabia ao certo como responder e, antes
que dissesse alguma obviedade como "me imagino feliz, realizado” ou “levando
uma vida confortável”, ele me salvou:
-- Não é para responder agora. Escreva em um papel como espera
que seja, usando o máximo de detalhes que conseguir, e marque uma nova conversa
comigo.
Eu saí do encontro achando que aquela tarefa seria uma perda
de tempo. Afinal, se não consigo prever com detalhes o que ocorrerá no próximo mês,
como descrever a minha vida daqui 30 anos? Resolvi tentar, ao menos para ter
assunto para nosso próximo encontro.
Fiz uma carta para meu "eu futuro" descrevendo minha
definição de vida bem sucedida. Detalhei as características do local onde gostaria
de morar, como estaria presente na vida de familiares e amigos, como usaria meu
tempo, como gostaria que estivesse minha saúde, quais fontes de renda teria e
como usaria o dinheiro acumulado ao longo da vida, o que me daria condições até
mesmo de ajudar a outras pessoas.
No fim, fiquei contente com o resultado, pois além de ser
uma visão agradável, minhas aspirações não eram impossíveis. O caminho de vida
que eu havia escolhido até então me permitiria transformar aquelas aspirações em
realidade, apenas exigiria disciplina e paciência para manter o foco pelos próximos
anos – obviamente, apenas nos aspectos que dependessem de mim.
Na conversa seguinte com o meu mentor, ele perguntou se eu
havia conseguido escrever o que ele havia pedido, sem entrar no mérito sobre
quais eram minhas aspirações. Eu confirmei ter descrito uma visão de futuro
para 30 anos, e então ele me fez outra pergunta inesperada:
-- E o que sua esposa achou dessa visão?
Envergonhado, expliquei que havia escrito sem a participação
dela. Ele apenas me respondeu que, se ela estava presente naquela visão de
futuro, seria importante obter a opinião dela.
Mais uma vez, saí da conversa com uma lição de casa. No fim
de semana seguinte, enquanto assistíamos TV em casa, eu abri o arquivo do meu
texto e pensei sobre como explicaria para minha esposa a atividade, descreveria
minha visão, e perguntaria a opinião dela.
Naquele momento, senti um “frio na espinha”, como muitos dizem.
E se ela dissesse que não era o que ela queria ter como futuro???
Realmente, ela poderia ter outras aspirações, como viajar o
mundo, ficar mais perto dos pais dela, seguir os filhos para onde eles forem,
vender miçanga na praia, ter mais 5 filhos, sei lá....
E foi nesse momento em que a frase inicial desse texto fez
sentido para mim. Em anos de namoro, eu jamais havia sequer perguntado detalhes
sobre como a mulher com quem me casaria, gostaria de viver seu futuro. Se fosse
algo totalmente diferente daquilo que eu esperava, poderíamos ter um problema sério
pela frente. Apenas esperávamos ter um bom futuro, sem a certeza de que o “bom”
para um significava o mesmo para o outro. E acreditávamos esperançosamente que
o futuro seria bom.
Felizmente, depois de ouvir atentamente minha leitura, ela
respondeu que havia adorado o cenário desenhado para nós dois e nossa família.
Mas minha reflexão não se limitou ao risco que corri por não
ter planos claros antes de me casar. Refleti também sobre como eu jamais havia
sido questionado por meus pais ou meus mestres sobre o que eu acreditava ser
mais importante para meu futuro, qual era a minha expectativa, ou o que eu
considerava como uma vida plena.
O incômodo que senti ao notar a falta de expectativas claras
poderia ser apenas uma preocupação burguesa, de quem não é obrigado a ir à luta
todas as manhãs pensando em como conseguir a comida do jantar para a família. O
fato é que, sem essa visão clara, meus planos eram imprecisos, fracamente
definidos e até me induziam a certos exageros, desperdiçando energia e recursos
em atividades que não contribuíam para minhas aspirações de vida – e não
aumentariam meu nível de satisfação ou felicidade.
Eu me dedicava muito aos desafios de hoje, acreditando que
isso me ajudaria a viver melhor amanhã, na esperança de que tudo terminasse
bem.
Uma particularidade: eu me senti decepcionado quando entendi
que essa reflexão era algo natural para meu mentor pois ele era questionado
frequentemente sobre esse assunto em sua cultura, o que reforçou ainda mais
minha interpretação da frase inicial deste texto.
Pois bem, uma vez que minha visão de futuro estava criada, eu
pude planejar e tomar o controle do meu futuro. E havia um monte de decisões
que eu teria que tomar para montar esse plano. As duas primeiras foram minha
trilha de carreira (já sabia qual legado queria deixar ao fim dos 30 anos vislumbrados)
e a aquisição de um imóvel – meu texto descrevia como seria a casa na qual gostaria
de morar no futuro....
Outro tópico que precisei estudar foi meu planejamento de aposentadoria. Estava longe, mas eu precisava tomar algumas decisões imediatamente. E eu pretendo registrar meu aprendizado neste espaço. Como destacado no título deste post, os desdobramentos dessa busca por conhecimento mudaram profundamente minha forma de pensar.
Obrigado,
MML